Será que ainda há o que falar sobre corrupção? Será que a anunciada reforma política e as mudanças na legislação resolveriam este grave problema?
Não creio.
Mudanças na
legislação somente são eficientes quando um sentimento popular intenso e
permanente as sustenta.
A lei, para
regular o comportamento, tem que corresponder aos costumes, valores e
princípios de uma comunidade. Quando resultam apenas do raciocínio político e
da mera intenção, não conquistam aquela legitimidade que se impõe moralmente
aos cidadãos, e que atemoriza os que pensam em desrespeitá-las.
Uma lei que
proíbe soar a buzina em frente a um hospital sempre será aceita pela totalidade
dos motoristas, e, quem a descumprir, vai enfrentar a manifesta disposição das
pessoas para puni-lo pelo delito que praticou.
Porque isto
é assim? Porque há um forte sentimento coletivo por trás daquela lei, a exigir
respeito para com os que sofrem internados no hospital.
Quem
desrespeita essa lei agride um sentimento coletivo de validade universal. Outro
exemplo?
Não há lei,
nem é necessária qualquer lei, para punir quem “fura a fila”. Este é o caso de
uma norma de comportamento que, de tão consensual dispensa qualquer
formalização legal para sustentá-la.
Já os
famosos “gatos” de água e de luz, a compra de DVDs piratas, a nota fiscal com
valor maior que a despesa, e outros “pequenos delitos” como esses, são
encarados pela sociedade com excessiva tolerância.
Atos de
corrupção, entretanto, são acolhidos pela população de uma maneira paradoxal:
embora haja consenso na sua condenação em abstrato, não há igual indignação diante
dos fatos nos quais eles se manifestam.
Percebe-se
uma apatia, uma tolerância para com seus autores, e uma disposição para
rapidamente esquecer aqueles fatos que compromete em muito a qualidade da nossa
democracia.
Precisamos
do formalismo de uma lei da “ficha limpa” porque não se confia que a exigência
de honestidade por si só, funcione como um critério de escolha na cabeça dos
eleitores.
Há então um
sentimento universal no país que reivindica a elevação do nível ético dos
candidatos que, uma vez eleitos, se constituem nos nossos governantes. Esta
elevação ética, entretanto, depende em grande medida da qualificação política
para se eleger.
A campanha
política moderna, em contraste com o modelo antigo e tradicional, usa uma
“tecnologia” eleitoral, que ajuda o candidato a planejar sua campanha, a
comunicar a mensagem de sua candidatura, a administrar sua imagem pública e a
se comunicar eficientemente com os eleitores.
Como toda a
tecnologia, trata-se de um conhecimento que pode ser usado para promover o
interesse coletivo e o bem comum, como pode ser utilizado a serviço de
interesses e vantagens pessoais e partidárias.
Este é um
tipo de conhecimento que condiciona em muito o sucesso eleitoral, e, por via de
consequência, o preenchimento dos cargos e funções públicas, por isso ele é
muito mais necessário ao candidato honesto e idealista do que os maus
políticos.
Os políticos
honestos e comprometidos com o interesse coletivo, sempre terão menos recursos
materiais para sua campanha e mais princípios morais a respeitar. Assim sendo,
quem não usa meios corruptos para disputar a eleição, precisa usar a
inteligência e o conhecimento para ter a chance de se eleger.
Se os
políticos honestos se omitirem de disputar cargos públicos, e não forem
competentes para se eleger, os maus políticos e a corrupção tomarão conta dos
governos e das instituições políticas.
É dentro
desse quadro que é forçoso concluir que a legislação não terá, como não tem
tido, o poder de eliminar a corrupção. É
fundamental lembrar que não se cria um sentimento coletivo de moralidade por
meio de legislação.
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